terça-feira, 1 de março de 2022

Passatempo "Eu também sei escrever" - conto de um seguidor Memórias d'Alex

 

Calor de Sexta-feira

 

Já passaram uns bons anos mas lembro-me como se fosse hoje… Era uma sexta-feira de Julho e o calor estava abrasador. Tinha acabado de almoçar a correr quando o telefone deu sinal. Uma mensagem dela: “Tens muito trabalho esta tarde?” Sorri e respondi enquanto entrava no elevador “Não muito, mas ainda tenho que despachar uma reunião sem interesse nenhum mas a que não posso faltar… E tu?” O elevador subiu 8 ou 9 pisos. O suficiente para a resposta dela chegar:  “Que pena…” O que é que ela queria dizer? Percorri o corredor enquanto escrevia “porquê?”

A resposta chegou quando já me tinha sentado e estava a acordar o computador. “Porque está muito calor… Mesmo muito… Vim para casa e comecei a pensar em ti. É pena estares tão ocupado…” O meu coração acelerou antes mesmo de eu perceber o que ela queria dizer. Quando o cérebro compreendeu o que o corpo já tinha sentido, sorri, incrédulo, e comecei a escrever “Está tanto calor que até me apetecia despir aqui no escritório…” A resposta dela veio de seguida “Isso eu já fiz…”

“Só isso?”, respondi, ao que ela respondeu com um emoji dos antigos “;)”, um piscar de olhos. “Daqui a 5 minutos tenho que entrar para a reunião, se não me contares mais não percebo se a situação é grave…” Recostei-me na cadeira. Tinha-a conhecido um ano antes e a nossa vida tinha sofrido uma revolução. Sempre me tinha considerado tímido até essa altura. Talvez fosse por serem precisos dois para dançar o tango…

O telemóvel voltou a dar sinal. Era ela, claro. “Se queres saber, não aguentava o vestido, não aguentava nada em cima do corpo. Pior, ou melhor, é que o calor não parecia vir de fora, mas sim de dentro… Por isso é que vim para casa.” Ela dirigia uma área de negócio numa empresa relacionada com aquela onde eu trabalhava. Tinha sido assim que nos tínhamos conhecido, cheios de formalidades e demasiado conscientes dos papeis ridículos que, por alguma razão, achávamos que era nossa obrigação desempenhar. Mas durou pouco essa superficialidade. O homem e a mulher que se escondiam por baixo dessas capas de profissionais altamente eficientes depressa se mostraram.

Tudo era pretexto para nos encontrarmos ou para almoçarmos juntos. Foi numa dessas ocasiões, penso que ao dar um inocente beijo na face, que senti o aroma da pele dela. Bastou isso. Não era só aquela inteligência cortante, aquela capacidade para ler todos os que estavam à nossa volta. Não era apenas o sorriso lindo e confiante ou aquelas pernas que pareciam nunca mais terminar… Foi aquele cheiro que me fez perceber que estava em apuros.

E ali estava eu em apuros, quase a entrar para uma reunião onde não conseguiria estar, a sorrir para o telemóvel e a pensar no que fazer a seguir. Devo ter inventado uma boa desculpa, agarrei nas minhas coisas e saí. A caminho do elevador, respondi-lhe “O calor que vem de dentro é o mais difícil de refrescar… Já tens alguma ideia?” O percurso até ao carro passou num ápice. A resposta chegou ao ligar a ignição. “Não me faltam ideias mas algumas resultavam melhor contigo aqui…” Não lhe ia dizer que ia a caminho: “Tenho a certeza que consegues resolver isso… Já experimentaste alguma coisa?”

As ruas da cidade pareciam estar mais congestionadas do que seria de esperar ao início da tarde, mesmo numa sexta-feira. Quando parei no primeiro sinal vermelho, li a resposta “Nua, na cama, sozinha, a pensar em ti…” Não sei como, esperei até ao semáforo seguinte para lhe responder “Então imagina que sou eu quem te toca, que esse calor que te envolve vem do meu corpo junto ao teu…” A resposta dela foi um perigo para segurança rodoviária. “É isso que estou a imaginar, que é a tua língua que me procura e encontra, como só tu sabes. Que os meus dedos são os teus, a tentar desvendar um código que eu não sabia que existia.”

Não faltava muito para chegar e encontrei um lugar milagroso para estacionar. O calor da rua parecia refrescante quando saí do carro e comecei a andar em direção à casa dela. Digitei o código da entrada e subi as escadas. Já estava à porta quando escrevi: “Não te assustes se ouvires a campainha.” Toquei uma vez e esperei. Ela abriu a porta, ainda com o trinco de segurança, e sorriu ao ver-me. Destrancou e convidou-me a entrar com um sorriso maroto… “Demoraste muito!”


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