Calor de Sexta-feira
Já passaram uns bons anos mas
lembro-me como se fosse hoje… Era uma sexta-feira de Julho e o calor estava
abrasador. Tinha acabado de almoçar a correr quando o telefone deu sinal. Uma
mensagem dela: “Tens muito trabalho esta tarde?” Sorri e respondi enquanto
entrava no elevador “Não muito, mas ainda tenho que despachar uma reunião sem
interesse nenhum mas a que não posso faltar… E tu?” O elevador subiu 8 ou 9
pisos. O suficiente para a resposta dela chegar: “Que pena…” O que é que ela queria dizer?
Percorri o corredor enquanto escrevia “porquê?”
A resposta chegou quando já me tinha
sentado e estava a acordar o computador. “Porque está muito calor… Mesmo muito…
Vim para casa e comecei a pensar em ti. É pena estares tão ocupado…” O meu
coração acelerou antes mesmo de eu perceber o que ela queria dizer. Quando o
cérebro compreendeu o que o corpo já tinha sentido, sorri, incrédulo, e comecei
a escrever “Está tanto calor que até me apetecia despir aqui no escritório…” A
resposta dela veio de seguida “Isso eu já fiz…”
“Só isso?”, respondi, ao que ela
respondeu com um emoji dos antigos “;)”, um piscar de olhos. “Daqui a 5 minutos
tenho que entrar para a reunião, se não me contares mais não percebo se a
situação é grave…” Recostei-me na cadeira. Tinha-a conhecido um ano antes e a
nossa vida tinha sofrido uma revolução. Sempre me tinha considerado tímido até
essa altura. Talvez fosse por serem precisos dois para dançar o tango…
O telemóvel voltou a dar sinal. Era ela,
claro. “Se queres saber, não aguentava o vestido, não aguentava nada em cima do
corpo. Pior, ou melhor, é que o calor não parecia vir de fora, mas sim de
dentro… Por isso é que vim para casa.” Ela dirigia uma área de negócio numa
empresa relacionada com aquela onde eu trabalhava. Tinha sido assim que nos tínhamos
conhecido, cheios de formalidades e demasiado conscientes dos papeis ridículos
que, por alguma razão, achávamos que era nossa obrigação desempenhar. Mas durou
pouco essa superficialidade. O homem e a mulher que se escondiam por baixo
dessas capas de profissionais altamente eficientes depressa se mostraram.
Tudo era pretexto para nos
encontrarmos ou para almoçarmos juntos. Foi numa dessas ocasiões, penso que ao
dar um inocente beijo na face, que senti o aroma da pele dela. Bastou isso. Não
era só aquela inteligência cortante, aquela capacidade para ler todos os que
estavam à nossa volta. Não era apenas o sorriso lindo e confiante ou aquelas
pernas que pareciam nunca mais terminar… Foi aquele cheiro que me fez perceber
que estava em apuros.
E ali estava eu em apuros, quase a
entrar para uma reunião onde não conseguiria estar, a sorrir para o telemóvel e
a pensar no que fazer a seguir. Devo ter inventado uma boa desculpa, agarrei
nas minhas coisas e saí. A caminho do elevador, respondi-lhe “O calor que vem
de dentro é o mais difícil de refrescar… Já tens alguma ideia?” O percurso até
ao carro passou num ápice. A resposta chegou ao ligar a ignição. “Não me faltam
ideias mas algumas resultavam melhor contigo aqui…” Não lhe ia dizer que ia a
caminho: “Tenho a certeza que consegues resolver isso… Já experimentaste alguma
coisa?”
As ruas da cidade pareciam estar mais
congestionadas do que seria de esperar ao início da tarde, mesmo numa
sexta-feira. Quando parei no primeiro sinal vermelho, li a resposta “Nua, na cama,
sozinha, a pensar em ti…” Não sei como, esperei até ao semáforo seguinte para
lhe responder “Então imagina que sou eu quem te toca, que esse calor que te
envolve vem do meu corpo junto ao teu…” A resposta dela foi um perigo para
segurança rodoviária. “É isso que estou a imaginar, que é a tua língua que me
procura e encontra, como só tu sabes. Que os meus dedos são os teus, a tentar
desvendar um código que eu não sabia que existia.”
Não faltava muito para chegar e
encontrei um lugar milagroso para estacionar. O calor da rua parecia
refrescante quando saí do carro e comecei a andar em direção à casa dela.
Digitei o código da entrada e subi as escadas. Já estava à porta quando
escrevi: “Não te assustes se ouvires a campainha.” Toquei uma vez e esperei. Ela
abriu a porta, ainda com o trinco de segurança, e sorriu ao ver-me. Destrancou
e convidou-me a entrar com um sorriso maroto… “Demoraste muito!”
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